Guerra de Tarifas EUA-China Reconfigura Geopolítica Global com Multilateralismo em Jogo
Enquanto China defende globalização e parcerias, EUA sob Trump caminham para o isolacionismo comercial, alterando alianças e o equilíbrio de poder mundial
Por Kaká Amaral
Publicado em 12/04/2025 10:43
Mundo
Bandeiras da China e dos Estados Unidos em um cenário que simboliza a crescente tensão na guerra tarifária entre as duas potências.

A semana que se encerrou foi marcada por uma intensa escalada na guerra de tarifas entre as duas maiores economias do planeta: China e Estados Unidos. O cenário peculiar viu o gigante asiático, sob um regime comunista, erguer a bandeira do multilateralismo e da "globalização econômica", investindo ativamente na construção de parcerias estratégicas ao redor do globo. Em contrapartida, os Estados Unidos, tradicionalmente o país símbolo do capitalismo, sinalizaram uma crescente inclinação ao isolacionismo comercial, ditando suas próprias regras no cenário internacional.

Além de gerar forte turbulência e volatilidade nos mercados financeiros mundiais, a acirrada disputa tarifária entre Estados Unidos e China demonstra um potencial significativo para reconfigurar a atual ordem geopolítica global, alterando alianças e influências em diversas regiões.

Ao longo da semana, em meio à imposição mútua de tarifas cada vez mais elevadas entre Washington e Pequim, o governo chinês reiterou sua visão de que a política tarifária implementada pelo presidente americano Donald Trump inevitavelmente levará ao isolamento dos Estados Unidos. Paralelamente, a China tem intensificado seus esforços para "conectar mercados" em diferentes continentes, como a África, a América Latina e a Europa, buscando fortalecer laços econômicos e políticos para além da esfera de influência americana.

Desde o início de seu segundo mandato, em dezembro, Trump tem priorizado a emissão de decretos que visam restringir a entrada de produtos e cidadãos estrangeiros nos EUA, além de adotar medidas protecionistas agressivas, como o tarifaço. Na avaliação de Gustavo Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM e especialista em geopolítica, essa estratégia representa uma tentativa do líder norte-americano de impor suas próprias regras no tabuleiro mundial, buscando alcançar mudanças geopolíticas significativas sem a necessidade de recorrer a conflitos bélicos ou à tradicional diplomacia internacional. "Isso é uma forma de Trump alcançar mudanças geopolíticas sem precisar de guerras ou da diplomacia internacional", analisou Uebel.

Em contrapartida, o presidente chinês Xi Jinping, ao se pronunciar pela primeira vez sobre a crescente guerra tarifária na sexta-feira (11), conclamou o mundo a se esforçar para "manter a tendência de globalização econômica e resistir conjuntamente ao unilateralismo e à intimidação", em uma clara crítica à postura dos Estados Unidos.

Na visão de Uebel, o líder chinês deve continuar a investir fortemente na construção de parcerias e alianças globais, estratégia que ele considera "o único caminho possível" para sustentar e impulsionar a robusta economia chinesa. "Essa deve ser uma mudança no regime internacional mais a longo prazo, mas que vai se desenhando", afirmou o especialista.

Em fevereiro, uma análise da revista "The Economist" chegou a classificar a política de Trump como "mafiosa", argumentando que o presidente americano estaria promovendo um reequilíbrio de poder no cenário mundial que rompe com a "era pós-1945" – em referência ao período posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial – e estabelecendo um modo de resolução de conflitos que remete ao estilo de Don Corleone, o icônico mafioso da trilogia "O Poderoso Chefão". "Aproxima-se rapidamente um mundo no qual quem tem poder faz o que quer e em que grandes potências fecham acordos e intimidam as pequenas", alertou a revista.

Nesse novo cenário de reconfiguração global, a União Europeia (UE), pressionada pelas políticas de Trump nos Estados Unidos e envolvida em uma guerra indireta com a Rússia na Ucrânia, tem ensaiado uma aproximação estratégica com a China. Na sexta-feira, Xi Jinping se reuniu com o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, e fez um apelo para que a União Europeia se una a Pequim em uma resistência mútua ao tarifaço imposto por Trump.

De acordo com Uebel, a tendência é que os países europeus, que devem figurar entre os principais prejudicados pela guerra tarifária, se aproximem cada vez mais do governo de Xi Jinping, impulsionados pela necessidade de buscar alternativas e contrapesos no cenário geopolítico global. "Pela primeira vez, a UE não está ditando as regras do jogo na geopolítica mundial. Eles se aliarão à China por exclusão", avaliou o especialista.

Paralelamente à busca por fortalecer laços com a Europa, o governo chinês também tem intensificado seus esforços para ampliar sua influência na América Latina, tradicionalmente considerada a maior zona de influência dos Estados Unidos. Ainda na sexta-feira, o ministro do Comércio da China manteve uma conversa telefônica com o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin. Segundo informações de ambas as partes, a conversa, que partiu de uma solicitação do governo chinês, girou em torno da importância de fortalecer organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), considerada um dos pilares da globalização econômica.

A escalada da guerra tarifária entre China e Estados Unidos, portanto, não se limita a impactos econômicos, mas também projeta uma sombra de incerteza sobre a futura configuração da geopolítica mundial, com o multilateralismo defendido pela China e o isolacionismo crescente dos EUA moldando novas alianças e redefinindo o equilíbrio de poder no cenário internacional.

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